domingo, 5 de fevereiro de 2017

DESAFIO CULTURAL: DICIONÁRIO DAS LENDAS INVENTADAS - PARTICIPE!

Lenda da Bica da Galega


O Dicionário das Lendas Inventadas traz, em um de seus capítulos, a Lenda da Bica da Galega, fio d'água permanente escorrendo, na atualidade, pelas bandas de uma das laterais do caminho ferroviário da Estrada de Ferro Campos do Jordão.

Água fresca, por natureza, capaz de saciar a sede de tantos quantos a buscam para o consumo em casa ou durante as andanças naturais de quem vai para o trabalho e vem do trabalho; caminha por esporte; pratica esportes na área verde ao lado e, ainda, daqueles outros tantos passageiros das estradas da vida, ainda sem ter seu porto de chegada.

Daí, o fato de surgirem diversas lendas a respeito da Bica da Galega.

Caso você não saiba da existência de nenhuma delas, aprecie esta catalogada pelo Dicionário das Lendas Inventadas, ainda em elaboração. 

Se desejar, envie sua contribuição, lembrando: o desafio é enviar uma lenda inventada, com identificação do autor e necessária autorização para publicação.
Utilize o e-mail: ivanpress@gmail.com
Se possível, registre o texto na Biblioteca Nacional, https://www.bn.gov.br/servicos/direitos-autorais, para garantir sua propriedade intelectual.

Diz a Lenda Inventada sobre a Bica da Galega:

Os Bento Rodrigues traziam, na herança de sangue, o conservadorismo das famílias donas de amplas faixas de terra na região. Plantavam café e arroz e mantinham, além dos negros trabalhadores, alguns nativos da nação tupi-guarani. Estes eram utilizados para o trabalho no cultivo das lavouras de mandioca, nhame e milho, por terem certa especialização natural.
Coronel Zé Bento Rodrigues era um velho alto, sisudo, de poucas palavras com pessoas as quais não pertenciam ao clã.

Para os empregados ou estranhos, parecia mastigar as palavras, quando estas passavam mais claras pelos vãos de seus largos dentes da frente. Para a esposa era um cavalheiro. Todos da família lhe tinham respeito, quase um misto de temor em contrariá-lo.

Um contraponto notável era o comportamento do filho mais jovem, Pedro Bento. Fazia festa com os curumins, brincava de correr e esconder com os negrinhos da roça. Tinha lá pelos seus 17 anos de idade quando se descobriu tocado por algo muito além da simples amizade para com a indiazinha Araci. Não podia ver a jovem correr feito corça pelos bosques. Disparava atrás dela e a alcançava, derrubando-a delicadamente sobre a relva de uma clareira.

Olhos diante de olhares, nenhuma palavra. Apenas o sussurrar suave das respirações e as mãos se buscando, num entrelaçado repleto de significado.

Araci tinha cabelos longos, brilhantes, fortes, até a altura dos quadris, olhar doce e bastante terno. Isso intrigava ao jovem senhorzinho, o qual não entendia como os da sua família não tinham tanta saúde e beleza como Araci e sua tribo.

O envolvimento foi se tornando rotineiro, os sentimentos se fortaleceram, apesar das supostas diferenças. Com o tempo, o Coronel Zé Bento já não tinha mais paciência para entender ser apenas uma brincadeira jovial. Percebia a coisa estar caminhando para um romance para o qual jamais daria seu consentimento. Era muita disparidade social, para o cabeça dos Bento Rodrigues.

Dona Felícia, sua esposa, até dava consentimento e passava horas a imaginar como seria um neto filho de uma indiazinha linda como Araci. Até procurou saber o significado do nome e o pai da menina, respeitosamente explicou como eram escolhidos os nomes dos nativos. O da garota tinha a representação da chegada de dia novo, aurora brilhante.

A mãe de Pedro, na realidade, muito fazia – às escondidas – para os jovens se encontrarem muito “por acaso”, até o momento quando o marido, descobrindo as artimanhas, trocou seus índios por um outro grupo de servos de uma família também residente às margens do rio Piracuama.

Não adiantou essa medida.
Pedro Bento, em madrugada de pouca lua e muita chuva, selou seu cavalo, juntou alguns pertences, beijou a fronte da mãe, ainda na sala de estar fazendo suas costuras enquanto o marido já dormia, foi em busca da jovem amada.

Contam, os historiadores inventivos, ter sido a última vez em que Felícia viu o filho. Pedro passou pela fazenda onde estava Araci, colocou-a na garupa da montaria e embrenhou-se na mata, deixando poucos rastros por conta das águas correndo sobre o chão de folhas.

Foram quase onze meses de fuga. Alguns nativos davam proteção ao jovem casal, quando de suas paradas para descanso e alimentação.

Nesses meses, houve a transformação de um casal em fuga para uma família em fuga. Araci dera à luz um curumim mestiço, ainda sem nome, pois o avô materno seria o responsável pela escolha. Ajagunã, seu pai, jamais veria o neto. Bento Rodrigues havia descoberto seu paradeiro e o obrigou a dar indicações de como alcançar o filho. Fingiu querer ajudar os jovens fugitivos. Ajagunã mostrou a rota seguida e a intenção do casal. Foi morto sem piedade nenhuma e abandonado amarrado a um tronco.

Mais alguns dias de busca e fuga. Pedro Bento, num momento de muito cansaço, não percebera uma cascavel atacar seu cavalo. O animal pereceu.

Sem a única opção de transporte para lhes facilitar a jornada, Pedro, Araci e o filho seguiram por mais algumas semanas até serem alcançados pelo grupo de Bento Rodrigues.

Foram acuados até uma grota escura, bastante úmida. Pedro não pensou duas vezes, pois sabia as intenções do pai em dar fim à sua companheira.
Carregou o arcabuz e as duas garruchas, disparando contra os perseguidores. O próprio coronel Bento fez o disparo mortal contra o peito do filho.

Araci, agarrada ao filho, procurava sinais vitais no amado. Debruçada sobre o já cadáver, parecia cantar um lamento em tupi-guarani, enquanto buscava ocultar o filho dos olhos do avô.
O bebê, assustado com o alarido todo, pôs-se a chorar, revelando estar sob alguns panos os quais lhes serviam de coberta.

Coronel Bento Rodrigues apeou de seu cavalo, esbofeteou a índia, arrancando-lhe dos braços o filho. Montou novamente e retirou-se, seguido do bando que o escoltava.
Araci, despejou-se em lágrimas sobre o corpo inerte do companheiro, acenava para lhe deixarem o filho. Os índios, até então seus protetores, também foram abatidos pela estúpida maldade de Bento Rodrigues.

Sem parar de chorar, Araci esvaiu-se em lágrimas, até formar uma espécie de lagoa.
Muitos anos depois, uma família de europeus, à época já tidos como "galegos", pela alvura da pele, se instalou próximo a uma bela lagoa, na qual se banhava, todas as tardes, a filha mais jovem.

Num desses mergulhos, a moça encontrou um belíssimo arranjo de penas, sob as águas límpidas.
Ao apanhar, da fenda rochosa submersa, as penas, algumas pedras se soltaram abrindo uma espécie de bica, para onde as águas da lagoa começaram a correr.

Contam, os antigos, que essas penas se soltaram dos cabelos de Araci e foram arrastadas, pelo vento, até a lagoa de suas lágrimas. Seu doce olhar não permitiu existir sal na lagoa.
A partir desta feita, a bica passou a ser denominada Bica da Galega, por ter sido encontrada, ou provocada, pela jovem europeia que se banhava na lagoa de Araci.

A Bica da Galega, em Pindamonhangaba, até hoje serve à população com farta água doce, sem nenhuma necessidade de tratamentos químicos. É procurada por moradores da cidade, de localidades vizinhas e turistas os quais, por incrível que pareça, já conhecem essa lenda inventada para o Dicionário de Lendas Inventadas.
(Texto inventado por Marcos Ivan de Carvalho, publicitário e jornalista e devidamente registrado na Biblioteca Nacional).


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