Lenda da Bica da Galega
O
Dicionário das Lendas Inventadas traz, em um de seus capítulos, a
Lenda da Bica da Galega, fio d'água permanente escorrendo, na
atualidade, pelas bandas de uma das laterais do caminho ferroviário
da Estrada de Ferro Campos do Jordão.
Água
fresca, por natureza, capaz de saciar a sede de tantos quantos a
buscam para o consumo em casa ou durante as andanças naturais de
quem vai para o trabalho e vem do trabalho; caminha por esporte; pratica esportes na
área verde ao lado e, ainda, daqueles outros tantos passageiros das
estradas da vida, ainda sem ter seu porto de chegada.
Daí,
o fato de surgirem diversas lendas a respeito da Bica da Galega.
Caso
você não saiba da existência de nenhuma delas, aprecie esta
catalogada pelo Dicionário das Lendas Inventadas, ainda em
elaboração.
Se desejar, envie sua contribuição, lembrando: o
desafio é enviar uma lenda inventada, com identificação do autor e
necessária autorização para publicação.
Utilize
o e-mail: ivanpress@gmail.com.
Se possível, registre o texto na Biblioteca Nacional,
https://www.bn.gov.br/servicos/direitos-autorais,
para garantir sua propriedade intelectual.
Diz a Lenda Inventada sobre a Bica da Galega:
Os
Bento Rodrigues traziam, na herança de sangue, o conservadorismo das
famílias donas de amplas faixas de terra na região. Plantavam café
e arroz e mantinham, além dos negros trabalhadores, alguns nativos
da nação tupi-guarani. Estes eram utilizados para o trabalho no
cultivo das lavouras de mandioca, nhame e milho, por terem certa
especialização natural.
Coronel
Zé Bento Rodrigues era um velho alto, sisudo, de poucas palavras com
pessoas as quais não pertenciam ao clã.
Para
os empregados ou estranhos, parecia mastigar as palavras, quando
estas passavam mais claras pelos vãos de seus largos dentes da
frente. Para a esposa era um cavalheiro. Todos da família lhe tinham
respeito, quase um misto de temor em contrariá-lo.
Um
contraponto notável era o comportamento do filho mais jovem, Pedro
Bento. Fazia festa com os curumins, brincava de correr e esconder com
os negrinhos da roça. Tinha lá pelos seus 17 anos de idade quando
se descobriu tocado por algo muito além da simples amizade para com
a indiazinha Araci. Não podia ver a jovem correr feito corça pelos
bosques. Disparava atrás dela e a alcançava, derrubando-a
delicadamente sobre a relva de uma clareira.
Olhos
diante de olhares, nenhuma palavra. Apenas o sussurrar suave das
respirações e as mãos se buscando, num entrelaçado repleto de
significado.
Araci
tinha cabelos longos, brilhantes, fortes, até a altura dos quadris,
olhar doce e bastante terno. Isso intrigava ao jovem senhorzinho, o
qual não entendia como os da sua família não tinham tanta saúde e
beleza como Araci e sua tribo.
O
envolvimento foi se tornando rotineiro, os sentimentos se
fortaleceram, apesar das supostas diferenças. Com o tempo, o Coronel
Zé Bento já não tinha mais paciência para entender ser apenas uma
brincadeira jovial. Percebia a coisa estar caminhando para um romance
para o qual jamais daria seu consentimento. Era muita disparidade
social, para o cabeça dos Bento Rodrigues.
Dona
Felícia, sua esposa, até dava consentimento e passava horas a
imaginar como seria um neto filho de uma indiazinha linda como Araci.
Até procurou saber o significado do nome e o pai da menina,
respeitosamente explicou como eram escolhidos os nomes dos nativos. O
da garota tinha a representação da chegada de dia novo, aurora
brilhante.
A
mãe de Pedro, na realidade, muito fazia – às escondidas – para
os jovens se encontrarem muito “por acaso”, até o momento quando o marido, descobrindo as artimanhas, trocou seus índios por um outro grupo de
servos de uma família também residente às margens do rio
Piracuama.
Não
adiantou essa medida.
Pedro
Bento, em madrugada de pouca lua e muita chuva, selou seu cavalo,
juntou alguns pertences, beijou a fronte da mãe, ainda na sala de
estar fazendo suas costuras enquanto o marido já dormia, foi em
busca da jovem amada.
Contam,
os historiadores inventivos, ter sido a última vez em que Felícia
viu o filho. Pedro passou pela fazenda onde estava Araci, colocou-a
na garupa da montaria e embrenhou-se na mata, deixando poucos rastros
por conta das águas correndo sobre o chão de folhas.
Foram
quase onze meses de fuga. Alguns nativos davam proteção ao jovem
casal, quando de suas paradas para descanso e alimentação.
Nesses
meses, houve a transformação de um casal em fuga para uma família
em fuga. Araci dera à luz um curumim mestiço, ainda sem nome, pois o avô materno seria o responsável pela escolha. Ajagunã, seu pai, jamais
veria o neto. Bento Rodrigues havia descoberto seu paradeiro e o
obrigou a dar indicações de como alcançar o filho. Fingiu querer
ajudar os jovens fugitivos. Ajagunã mostrou a rota seguida e a
intenção do casal. Foi morto sem piedade nenhuma e abandonado
amarrado a um tronco.
Mais
alguns dias de busca e fuga. Pedro Bento, num momento de muito
cansaço, não percebera uma cascavel atacar seu cavalo. O animal
pereceu.
Sem
a única opção de transporte para lhes facilitar a jornada, Pedro,
Araci e o filho seguiram por mais algumas semanas até serem
alcançados pelo grupo de Bento Rodrigues.
Foram
acuados até uma grota escura, bastante úmida. Pedro não pensou
duas vezes, pois sabia as intenções do pai em dar fim à sua
companheira.
Carregou
o arcabuz e as duas garruchas, disparando contra os perseguidores. O
próprio coronel Bento fez o disparo mortal contra o peito do filho.
Araci,
agarrada ao filho, procurava sinais vitais no amado. Debruçada sobre
o já cadáver, parecia cantar um lamento em tupi-guarani, enquanto
buscava ocultar o filho dos olhos do avô.
O
bebê, assustado com o alarido todo, pôs-se a chorar, revelando
estar sob alguns panos os quais lhes serviam de coberta.
Coronel
Bento Rodrigues apeou de seu cavalo, esbofeteou a índia,
arrancando-lhe dos braços o filho. Montou novamente e retirou-se, seguido do bando que o escoltava.
Araci,
despejou-se em lágrimas sobre o corpo inerte do companheiro, acenava
para lhe deixarem o filho. Os índios, até então seus protetores,
também foram abatidos pela estúpida maldade de Bento Rodrigues.
Sem
parar de chorar, Araci esvaiu-se em lágrimas, até formar uma espécie de lagoa.
Muitos
anos depois, uma família de europeus, à época já tidos como "galegos", pela alvura da pele, se instalou próximo a uma bela
lagoa, na qual se banhava, todas as tardes, a filha mais jovem.
Num
desses mergulhos, a moça encontrou um belíssimo arranjo de penas,
sob as águas límpidas.
Ao
apanhar, da fenda rochosa submersa, as penas, algumas pedras se
soltaram abrindo uma espécie de bica, para onde as águas da lagoa
começaram a correr.
Contam,
os antigos, que essas penas se soltaram dos cabelos de Araci e foram
arrastadas, pelo vento, até a lagoa de suas lágrimas. Seu doce
olhar não permitiu existir sal na lagoa.
A
partir desta feita, a bica passou a ser denominada Bica da Galega,
por ter sido encontrada, ou provocada, pela jovem europeia que se
banhava na lagoa de Araci.
A
Bica da Galega, em Pindamonhangaba, até hoje serve à população
com farta água doce, sem nenhuma necessidade de tratamentos
químicos. É procurada por moradores da cidade, de localidades
vizinhas e turistas os quais, por incrível que pareça, já conhecem
essa lenda inventada para o Dicionário de Lendas Inventadas.
(Texto
inventado por Marcos Ivan de Carvalho, publicitário e jornalista e devidamente registrado na Biblioteca Nacional).
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